segunda-feira, 30 de março de 2009

O Mito de Lilith, Adão e Eva (Parte I)

Em Gênesis 1, homem e mulher são criados iguais e conjuntamente, enquanto na segunda história, em Gênesis 3, a mulher é criada depois do homem e a partir de seu corpo. Segundo as lendas, Lilith era a primeira esposa, que era bem pior que a segunda.
No entanto, a figura escolhida para desempenhar esse papel na lenda judia era originariamente suméria, a resplandecente "Rainha do Céu", cujo nome "Lil" significava "ar" ou "tormenta". Às vezes se tratava de uma presença ambígua, amante dos "lugares selvagens e desabitados", associada também com o aspecto obscuro da Deusa Inanna e com sua irmã Ereskhigal, “Rainha do Mundo Subterrâneo".
No mito hebreu, Lilith, acumulou sem descanso todas as associações à noite e à morte, compreensivelmente rebaixada ao ser percebida desde o ponto de vista de um povo escravizado pela Babilônia.

Uma versão da Criação de Lilith na mitologia hebréia conta que Yahvé fez Lilith, como a Adão, porém no lugar de usar terra limpa, "tomou a sujeira e sedimentos impuros da terra, e deles formou uma mulher. Como era de se esperar, essa criatura resultou ser um espírito maligno". Lilith se converteu a posteriori na primeira esposa de Adão, cuja presença original nunca terminou de eliminar-se totalmente de seu segundo matrimônio. O que falhou no primeiro foi obviamente a independência de Lilith e sua igualdade com Adão, por isso depois criou-se Eva. Em conseqüência, a lenda tacha de insubordinação a atitude por parte de Lilith, pois, segundo a história, se negava a aceitar seu "lugar apropriado" que aparentemente era permanecer debaixo de Adão durante a relação sexual: -"Porque devo ficar debaixo de ti? Por que ser dominada por ti se sou tua igual, já que ambos somos feitos do barro?”, pergunta ela, mas Adão se recusava a igualar as posições. Lilith nervosamente pronuncia o nome de Deus e faz acusações contra Adão e Deus se nega a ajudá-la. Cansada de que não atendessem suas reivindicações de igualdade, Lilith abandona Adão e jura odiá-lo, blasfema contra Deus e alia-se aos inimigos do Eterno, tomada pela cólera.
Não é bom que o homem esteja só[1] Deus disse, então faz Eva e a dá por companheira a Adão: uma mulher feita a partir de seus fragmentos. Enquanto Lilith é descrita de forma negativa, Eva, ao contrário, é apresentada em suas belezas e ornamentos: Lilith é a força destrutiva (odeia todos os homens e frequentemente é relacionada a abortos e a morte de recém-nascidos) e Eva é a construtiva (a dócil mãe da humanidade). Mas Eva também se mostrará imperfeita, ela carregará a culpa pela perda do Paraíso e pelo erro de Adão. É culpada pela maldição/punição da mulher “com dor terás filhos; e o teu desejo será para teu marido, e ele te dominará”[2] e do homem “No suor do teu rosto comerás o teu pão.[3]”.

E, esta é a informação que nos é passada pelo cristianismo, isto é, que a mulher possui uma imperfeição inerente, devida a sua natural inferioridade e sua incapacidade de distinguir o bem do mal. Tais afirmações foram codificadas no psiquismo feminino, fazendo com que todas as mulheres se tornassem estigmatizadas com esta identidade negativa. Foi deste modo, que o feminino se viu reduzido ao submisso e ao incapaz. A submissão foi então, imposta culturalmente a todas as mulheres, que distorceu intencionalmente os aspectos femininos com o intuito de reprimir e estabelecer uma sociedade patriarcal.

O mito não é teológico, é puramente social. Em uma sociedade paternalista, Lilith é reprimida para dar lugar a Eva. Eva representa a mulher moldada pelo homem: ela é o modelo permitido pela ética judaico-cristã. Eva, como mulher, está totalmente alienada, não é nada mais do que uma fêmea de Adão e não a imagem da parte feminina de Deus “Esta agora é osso dos meus ossos e carne da minha carne; está será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada[4].”. Eva é uma mulher muda, a sombra de uma mulher, quase um fantasma. A mulher real é Lilith.

[1] In Gênesis capitulo 2, versículo 18;

[2] In Gênesis capitulo 3, versículo 16;
[3] In Gênesis capitulo 3, versículo 19;
[4] In Gênesis capitulo 2, versículo 23;
Baseado nos textos: Lilith: A Deusa da Noite de Rosane Volpatto, Lilith: A Rainha da Noite de Charles Franklin de Faria e Lilith: O Templo da Lua Negra (autor desconhecido).

domingo, 8 de março de 2009

Manifesto Dia Internacional da Mulher

Nós não vamos pagar por essa crise!
Mulheres livres! Povos soberanos!

Neste 8 de março de 2009, levantamos nossas bandeiras contra o capitalismo, o imperialismo, o machismo, o racismo e a lesbofobia. Estamos nas ruas para afirmar o que queremos construir a partir do feminismo: um mundo livre de exploração, desigualdades e discriminação. Por uma transformação radical com igualdade, autonomia, liberdade e soberania popular!

Feministas contra o capitalismo patriarcal!

As crises financeira, econômica, ambiental e alimentar que afetam o planeta e nossas vidas não são fenômenos isolados. Trata-se de uma crise global, gerada por esse modelo de desenvolvimento, baseado na superexploração do trabalho e na especulação financeira. Uma de suas bases de sustentação é a opressão das mulheres, que combina machismo e capitalismo, transformando tudo em mercadoria e colocando preço inclusive em nossos corpos.

Não acreditamos em respostas superficiais para a crise. Somos contra os milhões retirados dos fundos públicos para salvar bancos e grandes empresas. Isso gera mais concentração de riqueza e reproduz o sistema capitalista patriarcal. Também somos contra qualquer tentativa de retirada dos direitos trabalhistas e de redução de salários, propagandeadas como soluções para a crise econômica. Queremos investimentos públicos que garantam as vagas de trabalho já existentes, que ampliem a oferta de vagas com carteira assinada e reforcem a rede de direitos sociais. Nós, mulheres feministas, afirmamos: as mulheres não vão pagar por esta crise!

É urgente avançarmos na construção de alternativas socialistas a este modelo. Em vez dos agrocombustíveis e da privatização da natureza, defendemos mudanças na forma de produzir alimentos, a redução do padrão de consumo e a produção descentralizada de energia. Afirmamos que os bens comuns de nosso território ? incluindo a água, a biodiversidade e o petróleo encontrado na camada do pré-sal ? são do povo brasileiro e devem ser utilizados para garantir desenvolvimento social e econômico de toda a população. A resposta à crise alimentar não pode vir dos transgênicos, e sim da reforma agrária, da produção agroecológica e da garantia de nossa soberania alimentar.

Por um mundo com igualdade para todas as mulheres!

Construir a igualdade em nossa sociedade passa por valorizar o trabalho das mulheres e garantir sua autonomia econômica. Assim, defendemos a valorização do salário mínimo e lutamos por um modelo de proteção social solidário, universal e inclusivo, com direito à saúde, assistência social e aposentadoria digna para todos e todas. Hoje, existem no Brasil mais de 40 milhões de pessoas fora da previdência social. Dessas, 30 milhões são mulheres. Por isso, somos contra a proposta do governo federal, em discussão na reforma tributária, de desvincular todo o sistema de seguridade social de suas fontes de financiamento. Isso resultará num corte de 40% no orçamento da seguridade social, que representa a perda de R$ 24 bilhões anuais no orçamento da previdência.

Para conquistar igualdade, é preciso ampliar os serviços públicos. Para isso, é preciso parar com a privatização de unidades de saúde e das creches municipais, impulsionadas pelos governos municipal e estadual da coligação DEM/PSDB. Se o Estado não garante direitos sociais fundamentais como estes, aumenta o trabalho de cuidados com as pessoas, que é realizado cotidianamente por nós, mulheres. Lutamos para que esse trabalho seja dividido com os homens e com a sociedade.

Queremos igualdade para todas as mulheres. Por isso, combatemos o racismo em todas as suas manifestações e a banalização da imagem da mulher veiculada na mídia. Essa imagem vendida pela indústria cultural contribui para mercantilizar nossas vidas e reflete a desigualdade e a violência que sofremos dia a dia. Defendemos, assim, o controle social e a democratização dos meios de comunicação.

Em luta por autonomia e liberdade!

Vivemos um momento de criminalização das mulheres, no qual a luta por nossa autonomia tem sido duramente atacada. Em vários estados, mulheres têm sofrido perseguições, humilhações e até condenações criminais por terem realizado aborto. No Congresso Nacional, está para ser instaurada uma CPI do aborto, cujo resultado trará apenas mais perseguição às mulheres.

A maternidade deve ser uma decisão consciente, não uma obrigação. Criminalizar o aborto não impedirá que ele aconteça. Pelo contrário. Manter o aborto na ilegalidade condena as mulheres pobres ? sobretudo jovens e negras ? a se submeterem a práticas inseguras para interromper uma gravidez indesejada. Seguiremos nas ruas de todo o país, mobilizadas contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto!

Denunciamos todas as manifestações de violência contra a mulher! No estado de São Paulo, o estupro é a segunda causa de morte, segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública. As mulheres têm o direito de viver uma vida livre de violência!

Em defesa da paz, da solidariedade e da soberania popular! As guerras mantêm e aprofundam a desigualdade no mundo. Em situações de conflitos armados, as mulheres são vítimas de violações sistemáticas, físicas e psicológicas. Vemos hoje a feminização dos campos de refugiados. Por isso, somos solidárias a todas aquelas que vêem a soberania de seus povos atacada pelo imperialismo, seja na República Democrática do Congo, no Haiti e, sobretudo, na Palestina. Ali, os bombardeios de Israel já deixaram milhares de mortos e feridos, em sua maioria mulheres, idosos e crianças. Nos somamos às vozes de todo o planeta contra o massacre da Palestina, indo às ruas no dia 30 de março expressar nosso repúdio ao governo de Israel.

Também nos solidarizamos aos processos de construção de alternativas em curso na América Latina, que recuperam a soberania dos povos sobre seu território e seus recursos naturais. Estamos em luta por soberania dos povos e liberdade para as mulheres!

Neste 8 de março, estamos todas nas ruas confrontando o sistema capitalista e patriarcal que nos oprime e explora. Nas ruas e em nossas casas, nas florestas e nos campos, no prosseguir de nossas lutas e no cotidiano de nossas vidas, manteremos nossa rebeldia e mobilização!

FONTE: http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2009/03/442269.shtml