Em Gênesis 1, homem e mulher são criados iguais e conjuntamente, enquanto na segunda história, em Gênesis 3, a mulher é criada depois do homem e a partir de seu corpo. Segundo as lendas, Lilith era a primeira esposa, que era bem pior que a segunda.
No entanto, a figura escolhida para desempenhar esse papel na lenda judia era originariamente suméria, a resplandecente "Rainha do Céu", cujo nome "Lil" significava "ar" ou "tormenta". Às vezes se tratava de uma presença ambígua, amante dos "lugares selvagens e desabitados", associada também com o aspecto obscuro da Deusa Inanna e com sua irmã Ereskhigal, “Rainha do Mundo Subterrâneo".
No mito hebreu, Lilith, acumulou sem descanso todas as associações à noite e à morte, compreensivelmente rebaixada ao ser percebida desde o ponto de vista de um povo escravizado pela Babilônia.
Uma versão da Criação de Lilith na mitologia hebréia conta que Yahvé fez Lilith, como a Adão, porém no lugar de usar terra limpa, "tomou a sujeira e sedimentos impuros da terra, e deles formou uma mulher. Como era de se esperar, essa criatura resultou ser um espírito maligno". Lilith se converteu a posteriori na primeira esposa de Adão, cuja presença original nunca terminou de eliminar-se totalmente de seu segundo matrimônio. O que falhou no primeiro foi obviamente a independência de Lilith e sua igualdade com Adão, por isso depois criou-se Eva. Em conseqüência, a lenda tacha de insubordinação a atitude por parte de Lilith, pois, segundo a história, se negava a aceitar seu "lugar apropriado" que aparentemente era permanecer debaixo de Adão durante a relação sexual: -"Porque devo ficar debaixo de ti? Por que ser dominada por ti se sou tua igual, já que ambos somos feitos do barro?”, pergunta ela, mas Adão se recusava a igualar as posições. Lilith nervosamente pronuncia o nome de Deus e faz acusações contra Adão e Deus se nega a ajudá-la. Cansada de que não atendessem suas reivindicações de igualdade, Lilith abandona Adão e jura odiá-lo, blasfema contra Deus e alia-se aos inimigos do Eterno, tomada pela cólera.
“Não é bom que o homem esteja só”[1] Deus disse, então faz Eva e a dá por companheira a Adão: uma mulher feita a partir de seus fragmentos. Enquanto Lilith é descrita de forma negativa, Eva, ao contrário, é apresentada em suas belezas e ornamentos: Lilith é a força destrutiva (odeia todos os homens e frequentemente é relacionada a abortos e a morte de recém-nascidos) e Eva é a construtiva (a dócil mãe da humanidade). Mas Eva também se mostrará imperfeita, ela carregará a culpa pela perda do Paraíso e pelo erro de Adão. É culpada pela maldição/punição da mulher “com dor terás filhos; e o teu desejo será para teu marido, e ele te dominará”[2] e do homem “No suor do teu rosto comerás o teu pão.[3]”.
E, esta é a informação que nos é passada pelo cristianismo, isto é, que a mulher possui uma imperfeição inerente, devida a sua natural inferioridade e sua incapacidade de distinguir o bem do mal. Tais afirmações foram codificadas no psiquismo feminino, fazendo com que todas as mulheres se tornassem estigmatizadas com esta identidade negativa. Foi deste modo, que o feminino se viu reduzido ao submisso e ao incapaz. A submissão foi então, imposta culturalmente a todas as mulheres, que distorceu intencionalmente os aspectos femininos com o intuito de reprimir e estabelecer uma sociedade patriarcal.
O mito não é teológico, é puramente social. Em uma sociedade paternalista, Lilith é reprimida para dar lugar a Eva. Eva representa a mulher moldada pelo homem: ela é o modelo permitido pela ética judaico-cristã. Eva, como mulher, está totalmente alienada, não é nada mais do que uma fêmea de Adão e não a imagem da parte feminina de Deus “Esta agora é osso dos meus ossos e carne da minha carne; está será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada[4].”. Eva é uma mulher muda, a sombra de uma mulher, quase um fantasma. A mulher real é Lilith.
[1] In Gênesis capitulo 2, versículo 18;
[2] In Gênesis capitulo 3, versículo 16;
[3] In Gênesis capitulo 3, versículo 19;
[4] In Gênesis capitulo 2, versículo 23;
Baseado nos textos: Lilith: A Deusa da Noite de Rosane Volpatto, Lilith: A Rainha da Noite de Charles Franklin de Faria e Lilith: O Templo da Lua Negra (autor desconhecido).