quarta-feira, 22 de julho de 2009

Sobre a Legalização do Aborto

A questão não é que o aborto é um assassinato de fetos, e sim que ele vem sendo uma das principais formas de assassinato sistemático de MULHERES já que o aborto clandestino é a 4a maior causa de mortes femininas no Brasil e no mundo...

O aborto, sendo proibido ou não, vai continuar acontecendo. E acontecendo nas piores condições... um grande desrespeito à vida da mulher, algo que denuncia o desvalor de seus corpos e de suas vidas nesse país, porque é uma proibição com um custo muito grande pra nós e que serve só pra satisfazer aos machistas e religiosos inconsequentes.

O aborto nunca foi defendido como um método contraceptivo, mas sim como um recurso último se caso ocorrer, a mulher não fique desamparada e morra de hemorragia uterina por ter tentado abortar com agulha de tricô, tomando misturas químicas esdrúxulas ou na vizinha e em clínicas clandestinas sem fiscalização, morram de infecção hospitalar, ou sobrevivam sem um útero, ou inferteis, ou com complicações ginecológicas pro resto da vida...


Há feministas que defendem aborto, há também feministas que são contra, mas não são contra a existência desse direito, mas sim favoráveis a que haja um incentivo maior às campanhas de informação, formação sexual da mulher, disposição de meios contraceptivos e etc. É o que deveria estar acontecendo.

Por trás da proibição do aborto está a lógica patriarcal, em que o corpo das mulheres está nas mãos de um estado controlado por homens, e isso trás a lógica de que os filhos são de propriedade dos homens,assim como o corpo das mulheres, que serve a reprodução de herdeiros, cidadãos guerreiros, proletários explorados, consumidores vazios...

Enfim: quem tem que decidir isso são as mulheres, e não os terceiros...que nunca vão saber como é isso, passar por isso, e SER MULHER...ter um útero e um corpo e a dor de sentir que ele não é seu.

domingo, 5 de julho de 2009

GUERREIR@S DO 234

Assim chamou-se a vitoriosa ocupação da Mem de Sá, e se dizemos vitoriosa, mesmo desalojada, é porque em tempo algum a estupidez venceu as flores).

Bombas de efeito imoral... Coturnos e cassetetes.. . Spray... Meu rosto vermelho de ódio e pimenta! Tanta força bruta, pouco direito, pouca educação... Ordem para os pobres, progresso para os ricos!, alguém já deve ter dito isso antes ...
A constituição rasgada diante dos nossos olhos, a truculência policial desfilando na avenida..., Sete de setembro? Não, despejo. Cacos de direitos humanos pelo chão... Falou-se em cumprimento da lei, mas cumprimento da lei não implica em humilhação e tortura, e se a lei não serve ao povo, e se o povo é a maioria, ora, então de que serve a lei? Era mais que “dever” aquilo, era perversão mesmo, fetiche... Aqueles homens (?) se realizavam em sua violência... Alguns riam... Risos.

Crianças cantavam... Cantavam alegremente. .. Cantavam loucamente.. . E o desespero se misturava ao amor... Cantavam palavras de ordem, cantavam o hino nacional, e também canções religiosas.. . Que importa?! As crianças cantavam, e cantando se formavam numa autêntica Educação para a democracia! De maneira irônica e mesmo heróica os princípios políticos proclamados na LDB se cumpriam, crianças sem casa e talvez sem escola, mas não sem educação.

Sim, aquilo era Educação popular
, um processo genuíno de formação política das classes populares, um ato educativo, pedagógico mesmo. E formando-os, também nos formávamos. Educação com o povo, educação popular.

Agora, detidos e transportados como animais na traseira de um Camburão, dividindo um espaço ínfimo, quase sufocados, no auge do nosso sofrimento, o companheiro Vlad. voltou-me os olhos úmidos e sorrindo, perguntou:

- Como vai a vida, companheiro? Está amando?
- Sim, amo, - respondi - mas não vou bem na faculdade...

E rimos, e assim sublimamos o sofrimento. A luta política é antes uma forma de ressignificar o sofrimento humano. O Vlad. pensou que morreríamos (porque a viatura tomara um destino diferente do informado), eu só queria sair dali, mesmo que fosse para isso - estava sufocando e àquela altura me concentrava em respirar. Em certo ponto daquele passeio bizarro, disse-lhe: - É só se concentrar, companheiro, concentre-se. .. Nossa companheira, no banco da frente, discutia firme e serena com o policial, e foi chamada de safada e palhaça por ele... Lá de trás, tivemos que ouvir isso em silêncio... A companheira. E continuava contestando e resistia bravamente. Minutos antes, num gesto de paixão e desprendimento, a companheira D. lançara de volta um jarro de mágoas que um soldado romano havia atirado em nós, e o jarro enfumaçava a rua... E era como um incenso, incenso de repressão...
Em certa altura da Batalha, tive a impressão de que a repressão do estado pesa de forma mais contundente sobre aqueles que têm a pele mais escura, ou menos clara, como queiram... Ouvi relatos da companheira G. voando pelos ares, enquanto eu era “conduzido” (recebendo uma “gravata”) com o corpo dobrado para frente, como em gesto de obediência e submissão... Não houve ofensa racial, de fato, mas houve tratamento racial; ali eu fui, sem dúvida, um escravo sendo capturado por um capitão do mato. O meu Black voava pelo ar, de pé para a luta. Vale dizer que aquela ocupação era negra. Neste país, o poder senti-se mais a vontade para se exercer sobre os não-brancos. Estávamos ali, e pessoas brancas e de belos olhos também lutavam e resistiam bravamente, e sofriam, e eram esmagados... E havia beleza e horror naquilo tudo!



Sim, esmagados em plena a democracia, a ditadura continua para os pobres em geral e para os negros em específico.




Por fim chegamos, e após uma eternidade saímos. E quando saímos tocava em algum canto da cidade uma canção do Bob Dylan, e sabíamos então que estávamos livres... Livres agora... Abraçamo-nos todos e todas, durante todo processo amparados por um bravo advogado, o companheiro e Dr. A.P, homem de meia-idade que trazia nos olhos o brilho vivo da ideologia, e animados pelo encorajamento de outros lutadores e lutadoras. (E enquanto isso ocorria, muitos outros continuaram na praça de guerra, acompanhando, registrando e orientando todo o processo)
Demos mais um passo em liberdade, e de repente era preciso continuar a luta, a luta continua, alguém diria, havia inúmeras famílias desalojadas... Era preciso ainda ocupar e resistir!

R.Q.

[Texto escrito por um manifestante contra o desalojamento da ocupação de um prédio abandonado do INSS, no Rio de Janeiro.]