domingo, 9 de novembro de 2008

Imanência de Deus

"- Você acredita em Deus? perguntou ela após algum tempo.
- Antes deduzi que ele existia. Mas fui além depois... O fato é que nesta minha vida assim de solidão, eu pensava ter escalado toda aquela escada de que fala Platão, você se lembra disso? No primeiro degrau, o simples amor pelas coisas terrenas, pelas belas coisas terrenas; progredindo, chega-se às belas formas, das belas formas ao belo proceder, do belo proceder ao belos princípios, dos belos princípios ao princípio último, que é o da beleza absoluta. Raciocinei: a beleza absoluta só pode ser Deus. - Calou-se. Acendeu um cigarro. - Como vê, tudo assim formal, calculado. Mas uma tarde, na chácara, eu olhava uma teia de aranha e então aconteceu isso: senti em redor a presença Dele. No céu, o sol lançava raios vermelhos e retos, iguais aos que as crianças traçam nos seus desenhos, iguais aos ingênuos resplendores dos santinhos de papel. Vi então que ele estava na tarde, no todo imenso e na parte ínfima: estava na luz do sol e na sombra rendada que a teia de aranha projetava no chão, estava nas folhas aos meus pés e estava naquele passarinho que passou como uma seta sobre minha cabeça. Quando respirei, era como se estivesse respirando Deus."
(em Ciranda de Pedra, Lygia Fagundes Telles)

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