O que é tão perigoso na sexualidade de Afrodite? Por que ela é tantas vezes retratada como uma sedutora , uma bruxa, uma mulher fatal? Para os gregos, ela era a feiticeira Circe, fascinando os companheiros de Ulisses e transformando-os em porcos. Para os primeiros padres cristãos, a mulher sedutora era o próprio epítome do pecado. Na Idade Média, havia as perigosas náiades, ou ninfas da água, que fascinavam os cavaleiros errantes e os desgraçavam até a morte. Mais recentemente, tivemos uma Anna Karenina arrastando seu amante, Vronski, à objeção social e ao exílio, ou uma Hester Prynne marcada com a letra escarlate. Hoje em dia, as novelas de televisão estão repletas de sereias cavadoras de ouro que vivem arruinando reputações com seus estratagemas.
E a isca é sempre o fascínio sexual, a que os homens parecem ser totalmente impotentes para resistir. Os gregos racionalizavam a sua paranóia conferindo a Afrodite uma cinta mágica capaz de desarmar todos os homens e deuses que a ameaçassem.
Todavia, há algo altamente suspeito nesses exemplos – em todos eles, os homens são apresentados como vítimas. Vitimas de seus próprios sentimentos não admitidos talvez, mas certamente não vitimas efetivas das mulheres. Isso tudo cheira muito a culpa deslocada. Pois, se houve algum grupo social vitimado no Ocidente patriarcal, foram as mulheres.
Existem, a nosso ver, dois fatores atuando: o medo que os homens têm de perder o poder e um horror ao corpo. A questão do poder remonta à grande passagem da família matrilinear para a família patrilinear há muito tempo, muito tempo atrás. A questão do corpo é mais recente, tendo se originado na propensão ascética do cristianismo.
“A depreciação relativa da mulher de verdade é [...] compensada por impulsos demoníacos [do inconsciente, que ressurgem] projetados sobre o objeto. Num certo sentido, o homem ama menos a mulher como o resultado dessa depreciação relativa – e assim ela lhe aparece como uma perseguidora, i.e., uma bruxa. Daí a fantasia medieval sobre as bruxas, essa mácula inextirpável sobre o final da Idade Média, surgida paralelamente a – e, na realidade, como um resultado da – intensificação da adoração da Virgem” (Psychological Types, Jung)
O outro grande fator que está por trás do medo patriarcal de Afrodite é o horror ao corpo inculcado pelo cristianismo. O primeiro culpado, por consenso comum, foi São Paulo. A obsessão de Paulo era impedir a fornicação e, a seu ver, era este o principal valor do casamento. Embora achasse muito preferível manter-se sublimemente celibatário como ele, sempre que a carne se mostrar fraca é melhor, em suas palavras imorredouras, “casar-se do que arder” (I Coríntios 7:9) – o “arder” referindo-se, é claro, à concupiscência!
Paulo e aquele outro gigante espiritual e misógino, Santo Agostinho, lograram estampar o cristianismo e o Ocidente com uma aversão ao sexo e ao corpo da qual nós nunca conseguimos nos recuperar plenamente. (“Vim para Cartago, onde de todos os lados fervia a sertã de criminosos amores”, escreveu ele descrevendo os anos de tentação).
No final do século III, começou-se a discutir o celibato dos padres. O debate durou quase mil anos, até que a autoridade papal resolveu-o em favor de São Paulo. Um dos principais argumentos era que o contato sexual com uma mulher poderia profanar os santos sacramentos.
Ao longo dos séculos, uma série lúgubre de equacionamentos foi se estabelecendo na mente dos cristãos: Mulher = terra = sujeira = sexo = pecado. A queda do homem deveu-se a Eva, e a Igreja nunca deixou de advertir os homens de que é a mulher irá levá-los pelo primrose path to hell, como dizem os americanos, o caminho florido que leva ao inferno – curiosamente, Afrodite é a principal deusa das flores.
(A Deusa Interior, Jennifer Barker Woolger e Roger J. Woolger)
Um comentário:
o homem só perceberá a importancia da mulher para o equilibrio da sociedade quando está e tornar insustentavel.
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