Caro Ziraldo,
Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?"
e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a
opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria
que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de
humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves
momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobato que, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem
que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e
dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num
desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que
volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas
as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da
África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se
do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o,
dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui
para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um
desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes
um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre
na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto
dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou
aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São
Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).
[...]
Com pesar, e em retribuição ao seu afeto,
Ana Maria Gonçalves
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.
NA INTEGRA: O Biscoito Fino e a Massa: http://migre.me/402Ur
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